Por Erick, O Caçador
No dia 1º de agosto de 2008, o Município de Lajes do Cabugi foi palco de uma dos maiores feitos em armas das Forças Policiais no Estado do Rio Grande do Norte. Numa estrada carroçável distante 200 metros da BR 304, já nos entornos do centro urbano, uma quadrilha de assaltantes de banco armados para uma guerra foi totalmente neutralizada em ação combinada da Inteligência da Polícia Federal, da Polícia Civil do RN e do Batalhão de Operações Especiais da PMRN. Ao final da operação, 08 criminosos mortos e um preso, a cidade salva do ataque e, de quebra, o recado aos interessados que o Estado Potiguar não era playground para “brincadeira de assalto a bancos”. Com efeito, por vários anos à frente, o RN foi evitado pelas quadrilhas especializadas nessa modalidade, em virtude do exemplo dado em Lajes.
Desde 2007, perigosa quadrilha composta por sertanejos pernambucanos vinha estudando agir em solo potiguar. Homens experimentados no crime, no modelo Novo Cangaço (de tomar a cidade, aterrorizar a população com tiros de armas pesadas, fazer reféns, etc), com mais de dez assaltos bancários no currículo, agindo como uma unidade militar e armados até os dentes. Esse grupo criminoso estava sendo auxiliado por um comparsa paraibano de nome Daniel, que fazia as funções de coiteiro, olheiro e “cavalo” ( agilizador de fuga). O plano era o seguinte: tomar o centro da cidade de Lajes e invadir o Banco do Brasil, no momento em que certo carro-forte com dinheiro vindo da capital do Estado chegasse para abastecer a agência. Tudo estudado, planejado minuciosamente e cronometrado com precisão. A data e hora da ação seria sexta-feira, dia 01 de agosto, 11 horas da manhã. A expectativa era de deixar alguns corpos de vigilantes no chão, roubar um milhão de reais e fugir pela caatinga, para fora do RN.
Um detalhe: o bando estava no grampo da Polícia Federal, sendo monitorado dia e noite, com bastante atenção a seus preparativos. Outro detalhe é que o BOPE-RN havia concluído bem recentemente uma edição do COESP ( Curso de Operações Especiais), formando uma safra bem quentinha de “caveiras” na “ponta dos cascos”, prontos e rezando para cumprir qualquer missão…
Há algum tempo, o vagabundo Daniel estava hospedado numa pousada situada na aprazível cidade vizinha de Angicos, de onde se comunicava com seus parceiros. Faltando uma semana para o “Dia D”, o restante quadrilha chegou na região, a modo guerrilheiro, acampando na caatinga e pernoitando todo dia num lugar diferente. Daniel levava ao acampamento mantimentos e “passava a fita” das novidades na movimentação em torno do alvo dos criminosos. Enquanto isso, as Forças Policiais realizavam seu apronto operacional. Já a população de Lajes, nem desconfiava do jogo de xadrez em andamento, como sói acontecer nos capítulos da Guerra Civil da Segurança Pública. Esse é um cenário corriqueiro desse Conflito de Baixa Intensidade, no Brasil.
Na verdade, Lajes já havia sofrido assalto semelhante três anos antes. Os integrantes desse primeiro assalto haviam sido presos pouco tempo depois, na cidade de Parnamirim/RN. Mas muitos deles já estavam em liberdade, graças aos sobejos benefícios legais a que os criminosos tem direito, infelizmente, nesse Brasil de Meu Deus. Teriam ligações com essa nova investida? No mínimo, seu exemplo fez escola, pois era evidente a similitude do plano criminoso.
A quadrilha prestes a atacar tem oito vagabundos em armas e vão usar uma caminhonete S-10 para o combate. Dispõe de três fuzis mini ruger 5.56 mm, uma metranca .30, três escopetas .12 de repetição, três pistolas 9mm, três pistolas .380, farta munição, uma granada de mão e grande quantidade de grampos metálicos para “minar” estradas e furar pneus de carros que, porventura, persigam o bando. Daniel, comparsa protegido na vizinhança, fazendo a retaguarda, toma conta de dois automóveis (um Vectra e um Siena) e de uma motocicleta Strada, veículos azeitados para a fuga. O moral da quadrilha está alto. Estão mais do que preparados para a empreitada, no dia certo, na hora azada.
Dia D: Desde a barra do clarear, os assaltantes “linha de frente” carregam bornais e mochilas individuais com rapadura, farinha, garrafas de água mineral, terços e “santinhos” com imagens impressas de sua devoção. De uniformes camuflados, aguardam na caatinga espinhenta, enquanto o Sol se ergue. Estão com o Diabo no coração e armas nas mãos, só esperando o sinal do olheiro Daniel, para entrar de sopetão na pacata cidade e meter o aço.
Uma coisa eles não sabem: nessa hora, Daniel já caiu para a Polícia – e entregou até a Mãe de Pantanha. Também ignoram que a madrugada sertaneja da véspera deu entrada a 20 homens de preto no Teatro de Operações. Sob o manto da noite, esses abnegados combatentes montaram uma posição de emboscada, na via de acesso escolhida pelos criminosos para invadir a cidade. Há outras posições tomadas pelas Forças de Segurança, mas vamos resumir o relato.
A manhã se adianta, com todas as peças dispostas no tabuleiro.
Pouco antes das 11:00H da manhã, a S-10 arranca pela estrada carroçável, mesmo sem o sinal de Daniel. É que a exatidão do horário da ação importa e as últimas notícias dão conta de que o carro-forte está cumprindo o itinerário na marca. Se o dinheiro entrar no cofre, já complica o cronograma dos bandidos. Tudo depende de chegar a tempo de surpreender os malotes sendo transportados para o interior da agência. Com Daniel fora de contato, o líder do grupo toma a decisão de “meter o banco na tora”, pois a oportunidade era aquela! Para os vagabundos é fazer e sair, literalmente “rápidos, como quem rouba”.
Em acelerada marcha para o combate, a S-10 avança para o centro urbano de Lajes de Cabugi. A poeira levanta no rastro da caminhonete. Dois assaltantes vão na cabine, os seis outros estão aboletados na carroceria. Nessa hora, cada um deles está de bala na agulha e sangue no olho: vão matar ou morrer, para roubar! E Entre eles e seu objetivo, uma surpresinha: a patrulha do BOPE.
Inadvertidamente, a caminho do assalto, os Novos Cangaceiros entram na “zona de morte” da emboscada dos caveiras… Aí, a cantoria de 7,62 mm troa com força: numa chuva de balas, se o bebê chora, mamãe nem ouve!
O veículo é pipinado na fuzilaria e estanca, quando os dois vagabundos na boléia se despedem da vida. Na carroceria, o côco é seco: quem estava apostando de matar, seu projeto virou por cima de si!
Os militares vêem um dos ladrões cambalhotando de costas, como que procurando proteção detrás da carroceria. Hei! Pegue rajadas no automático! Carregadores são trocados, o cheiro de pólvora incensa a caatinga. Depois, vem o comando de “assalto!” – E os Forças Especiais atacam a pé, em linha, arrostando sobre posição dos Novos Cangaceiros. Gritos de guerra, mais disparos, nessa hora do vamos-ver: a faca é na caveira! Mas já não há mais qualquer resistência…
Dentre os mortos, está o que “caiu de cambalhota”… É que havia sido torado no meio, por uma rajada certeira que lhe serrou o “vazio” e partiu a coluna! O cenário em derredor da S-10 é um arranjo aleatório de corpos, cacos de vidro, sangue, projéteis de chumbo, tripas e o potente material bélico dos “cabras”… Os vagabundos saíram de cidades pernambucanas como Cabrobó, Caruaru e Petrolina, para mexer com o sertão potiguar.. E acharam o chapéu da viagem!
Depois, o trivial: Polícia Federal isolando a área, imprensa cobrindo o “furo”, perícias, reboliço e os comunicados oficiais. E, como de praxe, algum(a) babaca (aqui e ali) criticando as instituições e os homens que, na verdade, mereceram e merecem elogios e respeito, pela competência, bravura e heroísmo. Quem poupa os maus, pune os bons.
Em 2008, o mês de agosto já começou entre um susto e um alívio naquela região interiorana. A caveira sorriu, alguém achou ruim, mas o Estado do Rio Grande do Norte inteiro teve alguns anos de trégua, da parte das quadrilhas de assaltos à banco – isso é um fato.
Quanto à Lajes, continuou linda, com o horizonte dominado pelo Pico do Cabugi que, dizem alguns historiadores, é o falado “Monte Pascoal” da Carta do Descobrimento do Brasil, lavrada por Pero Vaz de Caminha… Mas essa é outra história!
Erick Guerra, O Caçador