Não sei se foi aquilo a que, na altura, eu e o meu irmão chamávamos na brincadeira o “presente inteligente” (um estratagema que consistia em oferecer a alguém próximo uma coisa que nós próprios gostaríamos de ter) ou se achei realmente que o livro iria agradar ao destinatário.
Uma coisa é certa: depois de o ter oferecido, fui o primeiro lá em casa a lê-lo de uma ponta à outra.
A biografia de Mao por Jung Chang não apenas reconstitui o percurso desta figura controversa como conta a história de um dos mais pavorosos crimes contra a humanidade alguma vez cometidos.
Se o leitor pensa que estou a exagerar, leia a seguinte passagem: Perto de 38 milhões de pessoas morreram de fome e excesso de trabalho no Grande Salto em Frente e no período de fome que durou quatro anos (1958-1961). Este número é confirmado pelo próprio n.º 2 de Mao, Liu Shao-Chi.
O que provocou tamanha hecatombe não foi maldade pura, mas antes medidas voluntaristas e metas megalômanas. Um exemplo quase caricatural: Mao designou os pardais como uma das “Quatro Pragas” e mobilizou a população inteira para abanar paus e vassouras para criar um barulho gigantesco que espantasse os pardais impedindo-os de posarem para que caíssem de fadiga e fossem apanhados e mortos pelas multidões.
Mao: A História Desconhecida está cheio de exemplos destes de delírio e tragédia.
Julgo no entanto, que apesar de toda a sua riqueza, a autora falha em não reconhecer que o reinado de terror de Mao transformou de facto a China de uma sociedade arcaica, pouco produtiva e incapaz de se defender, numa temível potência moderna.