O Congresso concluiu nesta sexta-feira (22) a aprovação do Orçamento de 2024, que amplia o fundão eleitoral para R$ 5 bilhões e faz mudanças nas emendas parlamentares no próximo ano. O projeto agora segue para sanção.
Pelo formato aprovado para as emendas, o presidente Lula (PT) terá mais dificuldade para usar a distribuição dessa verba como moeda de troca em negociações com deputados e senadores. Por outro lado, isso fortalece as cúpulas da Câmara, comandada por Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, presidido por Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O Palácio do Planalto viu o Congresso avançar sobre o controle que tem no Orçamento. Os parlamentares terão, segundo o projeto, um recorde de R$ 53 bilhões em 2024, ano eleitoral. Atualmente, no primeiro ano desse governo Lula, foram reservados R$ 46,3 bilhões para atender aos parlamentares.
Além da fatia sem precedentes, as emendas em 2024 terão regras que amarram a articulação política do governo e enfraquecem Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais).
Hoje, o Congresso tem que passar a Padilha as informações para que as emendas sejam liberadas. Isso inclui a lista de prefeituras, as obras que receberão o dinheiro e o valor a ser repassado. O ministro então se encarrega de distribuir os pedidos aos ministérios que ficarão responsáveis pela execução, como Desenvolvimento Regional, Cidades e Transportes.
Líderes do centrão e partidos de direita articularam a autorização para que, em 2024, essa comunicação seja feita diretamente com o ministro da pasta que irá cuidar da emenda. Isso envolveu a aprovação das versões finais da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e do Orçamento.
Procurada, a Secretaria de Relações Institucionais disse que “não há, nos projetos aprovados no Congresso nesta semana de natureza orçamentária, qualquer empecilho ao cumprimento de sua missão de coordenar e acompanhar toda a interlocução entre o Executivo e o Legislativo, inclusive no que se refere à execução de emendas orçamentárias”.
Membros da Câmara e do Senado dizem que o objetivo é “cortar caminho” e empoderar os ministros que foram indicados pelo Congresso. Lula fez trocas na Esplanada nesse ano para ampliar a br de apoio parlamentar.
Celso Sabino (Turismo), Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos) e André Fufuca (Esporte) entraram no primeiro escalão. Também é citado o ministro Waldez Goés (Integração e Desenvolvimento Regional), indicado pela União Brasil do Senado ainda na transição de governo.
Em março, Padilha ganhou mais poder para negociar emendas com o Congresso. Em ato formal, Lula concentrou na pasta de Relações Institucionais a definição do cronograma de execução de parte das emendas.
O fluxo de liberação de recursos ficou centralizado no Palácio do Planalto. Isso tirou dos outros ministros –sejam do PT ou do centrão– a capacidade de negociação direta com os parlamentares.
No governo de Jair Bolsonaro(PL), era o Congresso que tinha autonomia para comunicar cada ministério sobre as prioridades das emendas. Líderes da Câmara e do Senado querem retomar esse modelo, que dá mais influência às cúpulas das duas Casas.
A demora nos repasses das emendas foi crítica recorrente ao longo desse ano entre os líderes do centrão e de outros partidos do Congresso.
Auxiliares de Lula também estão preocupados com o trecho que impõe um cronograma para que o governo libere o dinheiro de emendas para as obras e municípios escolhidos pelos parlamentares.
Isso poderá reduzir a margem de manobra para acordos em momentos decisivos no plenário da Câmara e do Senado.
Hoje não existe uma previsão de quando a emenda será autorizada e, historicamente, os governos usam isso como moeda de troca. É comum haver um grande volume desses repasses às vésperas de votações de interesse do Palácio do Planalto.
O Congresso aprovou um trecho para garantir que metade das emendas sejam repassadas até metade do ano, às vésperas da eleição municipal. Parlamentares dizem não confiar que o presidente irá liberar as emendas no ritmo que os deputados e senadores esperam.
Nesta sexta, Padilha foi questionado sobre o uso de emendas em negociações com o Congresso e as mudanças previstas em 2024. “Estamos saindo do presidencialismo de delegação, que foi feito pelo governo anterior, e estamos recriando o presidencialismo de coalizão, construindo uma agenda política que foi apresentada ao país e ela integralmente foi aprovada, com diálogo e negociação, porque é assim que se faz na democracia”, respondeu ele.
O ministro tem sido alvo de pressão do centrão. A cúpula da Câmara quer que Lula troque o titular da pasta que cuida da articulação política com o Congresso. Eles preferem alguém que seja fora do PT. O presidente, porém, não tem dado sinais de que irá substituir o ministro.
Líderes do centrão dizem que, se Lula quiser azeitar sua br de apoio no Congresso para 2024, será necessário fazer trocas no Planalto.
Já do lado petista na Câmara, o discurso de bastidores é que boa parte das insatisfações decorre do fato de o centrão ter perdido a gerência exclusiva da distribuição de emendas e verbas que tinha sob Bolsonaro.
O aumento do valor das emendas é visto como outro entrave para a relação de Lula com o Congresso. Isso amplia a margem para deputados e senadores votarem de forma independente ao governo, pois já têm a garantia milhões de reais para enviar a suas brs.
A votação do Orçamento nesta sexta também expôs uma divergência interna no Congresso, que foi palco de um embate nos bastidores entre Câmara e Senado sobre o valor do fundo que financia a campanha eleitoral de 2024.
Pacheco fez um discurso para tentar reduzir a cifra de R$ 5 bilhões, que é defendida pela cúpula da Câmara e pelos presidentes de partidos políticos. Para o presidente do Senado, o novo recorde vai antecipar a discussão sobre a volta do fundo privado.
“O valor de R$ 5 bilhões é o início do fim do financiamento público. Ano que vem, nós estaremos a discutir o retorno do financiamento de pessoas jurídicas em campanhas eleitorais. Eu não tenho dúvidas disso”, disse Pacheco. Lira e líderes da Câmara então foram ao plenário do Congresso durante a sessão desta sexta.
O presidente do Senado propôs um acordo para que o fundão fosse reduzido para cerca de R$ 2,6 bilhões. No entanto, não houve apoio a essa proposta.
Portanto, o fundo segue em quase R$ 5 bilhões, o que expande o poder dos dirigentes partidários na eleição. Esse valor é um recorde para as eleições municipais –o dobro do último pleito para prefeitos e vereadores, em 2020.
Até 2015, as grandes empresas, como bancos e empreiteiras, eram as principais responsáveis pelo financiamento dos candidatos. Naquele ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu a doação empresarial sob o argumento de que o poder econômico desequilibrava o jogo democrático.
A partir das eleições de 2018, foi então criado o fundo eleitoral, que usa dinheiro público para bancar as atividades de campanha dos candidatos.
Na avaliação de senadores, não haveria justificativa plausível para distribuir a candidatos a prefeitos e vereadores —que percorrem apenas seus municípios— o mesmo montante usado em uma corrida para presidente, governadores, senadores e deputados federais.
A votação sobre fundo eleitoral uniu partidos de diferentes cores, como PT e PL, além das siglas do centrão. A ideia de reduzir o valor foi rejeitada pela Câmara por 355 votos a 101.
O líder do PT, Zeca Dirceu (PR), disse que a “democracia tem um custo”. O líder do PL, Altineu Côrtes (RJ), disse que em 2020 o valor mais baixo se justificava por causa da pandemia. O PL e o PT terão as maiores cotas do fundão.
Folha de São Paulo